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STF – Empresa poderá se manifestar em processo administrativo sobre retirada de incentivos do Finor

Por votação unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento, nesta terça-feira (10), ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 31661 para assegurar à Marlloy S/A Indústria e Comércio o direito do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo envolvendo a anulação de incentivos fiscais do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor) para construção de unidade industrial de produção de ferro-liga (ligas de silício e manganês, matérias-primas usadas na composição do aço). A unidade encontra-se em montagem no município de Rosário (MA) e tem investimento total previsto de R$ 100 milhões.

No recurso, a empresa se insurge contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou que lhe foi dada a oportunidade de se manifestar no processo administrativo. O advogado da companhia relatou, na sessão de hoje da Segunda Turma, que a Marlloy teve aprovada a concessão de incentivos fiscais para o projeto pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que considerou o projeto de interesse para a região.

Entretanto, conforme o advogado, a Sudene atrasou a liberação dos recursos que lhe cabia aportar, correspondente a 50% do projeto. Somente quase cinco anos depois, quando a companhia já tinha despendido R$ 1,5 milhão, a Sudene começou o repasse, não chegando a completar sua parte naquela etapa do projeto. Em função desse atraso, a empresa solicitou a prorrogação dos prazos de carência, amortização e vencimentos das debêntures subscritas com recursos do Finor. O pedido foi feito em 2009 e indeferido em 2010, sem que lhe fosse dada a oportunidade de se manifestar no processo administrativo.

Ainda segundo seu advogado, a Marlloy já concluiu a parte de construção da obra e instalou dois fornos, faltando apenas a instalação da parte elétrica e o fornecimento de energia, além de alguns outros detalhes. Ainda de acordo com ele, a empresa já investiu 95% dos recursos próprios previstos no projeto original.

Decisão

Ao dar provimento ao recurso, a Turma seguiu voto do relator, ministro Gilmar Mendes, favorável à empresa. “Não satisfaz o direito de defesa da recorrente a mera oportunidade de impugnar, mediante recurso administrativo, como sustentou o STJ, o ato que anulou o benefício anteriormente concedido a ela”, assinalou.

Por isso, o relator votou no sentido de dar provimento ao RMS 31661 para conceder a segurança e declarar nulo o despacho do Ministério da Integração Nacional que indeferiu o pedido de prorrogação de prazos para pagamento do débito para com o Finor, bem como o julgamento dos recursos administrativos dele decorrentes, a fim de que seja assegurada à empresa a manifestação prévia em processo administrativo destinado à verificação da regularidade do benefício concedido.

Processos relacionados: RMS 31661

Fonte: Supremo Tribunal Federal

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É possível a adoção do registro de preços nas licitações de obras, sob o regime do RDC, em que seja demonstrada a viabilidade de se estabelecer a padronização do objeto e das propostas, de modo que se permitam a obtenção da melhor proposta e contratações adequadas e vantajosas às necessidades dos interessados

Representação formulada por equipe de fiscalização do Tribunal acerca de possíveis irregularidades em editais de registro de preços lançados pelo FNDE apontara “ilegalidade da aplicação do Sistema de Registro de Preços (SRP) para obras”. As licitações em questão, realizadas mediante Regime Diferenciado de Contratação (RDC), tiveram por objeto a “eventual construção de escolas-padrão” no âmbito do Programa Proinfância, obedecendo às tipologias dos Projetos-Padrão definidos pelo FNDE. Após a oitiva do órgão, o relator destacou que o Decreto 7.581/11, que regulamenta o RDC, bem como o Decreto 7.892/13, que regulamenta o SRP, não contemplavam previsão para a utilização do instituto do registro de preços para obras. Ponderou, contudo, diante da situação fática evidenciada nos autos, que a anulação do certame não seria cabível em razão dos prejuízos sociais decorrentes da paralisação do programa, destacando que a “visão teleológica da lei” e a publicação posterior do Decreto 8.080/13 (que alterou o Decreto 7.581/11) são decisivos na análise da questão. Sobre o mencionado decreto, ressaltou que, ao autorizar, de forma literal, a utilização do SRP para obras, não teria extrapolado a Lei 12.462/11 (RDC). Explicou que em um SRP os objetos devem ser padronizáveis, sob pena de não oferecer uma contratação vantajosa, e como as obras, em geral, não são padronizáveis, a Lei não dispôs sobre elas de forma direta. No caso concreto, contudo, “a modelagem da licitação foi engenhosamente concebida” de forma a possibilitar a padronização de propostas e a precificação justa das edificações, destacando, além da baixa complexidade técnica e porte das obras, a regionalização dos lotes e a utilização da contratação integrada como fatores determinantes para a padronização da obra. Concluiu, por fim, que “o mens legis do dispositivo questionado foi plenamente atendido. A licitação em escopo teve o poder de escolher a melhor proposta …”. Ressalvou, por fim, os riscos de se licitar, generalizadamente, obras por registro de preço, motivo pelo qual propôs o acompanhamento do programa, desde a construção até o pós-obra. O Tribunal endossou a proposta do relator quanto a essa questão, julgando a Representação parcialmente procedente. Acórdão 2600/2013-Plenário, TC 019.318/2013-8, relator Ministro Valmir Campelo, 25.9.2013.

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Sanção de Inidoneidade em Contratos Públicos e a Desconsideração da Personalidade Jurídica

Gustavo Pamplona
Mestre em Direito
Especialista em Políticas Públicas
e Gestão Governamental

Dispõe a Constituição da República que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, segundo o inciso XXVII do art. 22.

Com efeito, não há previsão legal geral e nem suplementar sobre o tratamento dado aos sócios de pessoas jurídicas, sociedades simples ou empresária, quando estas são declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração Pública, na forma do inciso IV do art. 87 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, bem como às novas sociedades constituídas pelos mesmos sócios e com o mesmo objeto social.

Noutros termos, o que se objetiva com este artigo é debater o cenário no qual empreendedores, cujas sociedades foram declaradas inidôneas, burlem a lei constituindo outra sociedade e novamente voltem a fornecer bens ou prestar serviços à Administração Pública por esta nova sociedade empresária.

Como é cediço, trata-se de expediente potencialmente fraudulento que visa não apenas prejudicar o erário, pela via indireta; mas ainda as outras licitantes idôneas e, principalmente, o trabalhador. Destaca-se a problemática do cidadão empregado, pois estes são vítimas de sociedades e de sócios que simplesmente renegam o pagamento de direitos trabalhistas e previdenciários e desloca esse ônus financeiro para a Administração.

Trata-se de um cenário que somente pode ser coibido com a extensão da proibição de licitar também para outras sociedades nos quais haja o mesmo quadro societário e objeto social.

A presente querela, em suma, aponta para a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil Brasileiro, no âmbito das licitações e contratações administrativas realizadas pela Administração. Dispõe o referido dispositivo:

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), no agravo Agravo de Instrumento n. 2006.005102-9 de 2006, sobre a desconsideração da personalidade jurídica decidiu que:

“Sobre abuso da personalidade jurídica, destacado na norma jurídica invocada, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam: Desvio de finalidade. A identificação do desvio de finalidade nas atividades da pessoa jurídica deve partir da constatação da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não do seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica. (Código Civil Comentado, p. 208-209).”

Todavia, a questão da desconsideração da personalidade jurídica ganha outros contornos na seara dos contratos administrativos. Em relação à aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica pela Administração Pública no âmbito das licitações e contratações administrativas, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 15.166/BA, entendeu que “a Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular.”.

Ainda de acordo com a Colenda Corte Superior, “a ausência de norma específica não pode impor à Administração um atuar em desconformidade com o Princípio da Moralidade Administrativa, muito menos exigir-lhe o sacrifício dos interesses públicos que estão sob sua guarda. Em obediência ao Princípio da Legalidade, não pode o aplicador do direito negar eficácia aos muitos princípios que devem modelar a atuação do Poder Público.”

Como se vê, entende o Superior Tribunal de Justiça, acompanhado pelo Tribunal de Contas da União (vide julgamento do Pedido de Reexame em Representação nº 025.430/2009-5), ser perfeitamente cabível a extensão dos efeitos da sanção administrativa aplicada à empresa anterior a sociedade ulteriormente constituída, em respeito ao princípio da moralidade consagrado no art. 37 da Constituição da República.

Ao discorrer sobre o tema, assim se manifestou Marçal Justen Filho:

“Não se trata de ignorar a distinção entre a pessoa da sociedade e a de seus sócios, que era formalmente consagrada pelo art. 20 do Código Civil/1916. Quando a pessoa jurídica for a via para a realização da fraude, admite-se a possibilidade de superar-se sua existência. Essa questão é delicada, mas está sendo enfrentada em todos os ramos do Direito. Nada impede sua aplicação no âmbito do Direito Administrativo, desde que adotadas as cautelas cabíveis e adequadas.” (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 13ª edição, 2009, pág. 799).

As cautelas a que se refere o ilustre administrativista foram bem ressaltadas no voto do eminente Ministro Castro Meira, relator do acórdão resultante do julgamento do RO em MS nº 15.166-BA, acima mencionado, no qual ficou consignado que “a aplicação dessa teoria deve estar precedida de processo administrativo, em que se assegure ao interessado o contraditório e a ampla defesa […]. Ao prejudicado restará sempre aberta a porta do Judiciário, para que então possa provar, perante um órgão imparcial, a ausência de fraude à lei ou de abuso de forma […].”

Vê-se, assim, que a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica pela Administração Pública no âmbito das licitações e contratações administrativas encontra respaldo nos princípios explícitos e implícitos previstos na Constituição da República, sobretudo nos Princípios da Moralidade Administrativa e da Indisponibilidade dos Interesses Públicos, razão pela qual se justifica a sua aplicação independente de previsão legal expressa, pois, como bem ressaltou o Ministro Castro Meira em seu voto, “a concepção moderna do Princípio da Legalidade não está a exigir, tão-somente, a literalidade formal, mas a intelecção do ordenamento jurídico enquanto sistema.”

Neste mesmo sentido caminha o Tribunal de Contas da União (TCU) nos termos do Acórdão 2593/2013 Plenário:

Responsabilidade. Representação. Desconsideração da personalidade jurídica.

A Administração Pública pode, respeitado o contraditório e a ampla defesa, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedades empresariais alteradas ou constituídas com abuso de forma e fraude à lei, para a elas estender, em vista de suas peculiares relações com empresa suspensa de licitar e contratar com a Administração, os efeitos dessa sanção.

CONCLUSÃO

Primeiramente, conclui-se que o caráter normativo dos Princípios Constitucional que regem a Administração Pública cada vez mais ganha força na seara jurisdicional, notadamente, o princípio da moralidade. Entretanto, não se pode negar a crítica que sua auto-aplicabilidade de forma indistinta acabaria por gerar inseguranças jurídicas e imprevibilidades arbitrárias. Assim sendo, impõe também, no outro extremo, a necessidade de legem ferenda e e em observância ao Princípio da Legalidade positivar os tipos que resultariam a desconsideração da personalidade jurídica.

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STJ. A greve de advogados públicos não constitui motivo de força maior a ensejar a suspensão ou devolução dos prazos processuais (art. 265, V, do CPC)

Precedentes citados: AgRg no REsp 502.403-RS, Segunda Turma, DJe de 16/12/2008; AgRg no Ag 1.428.316-PI, Quarta Turma, DJe 23/4/2012; AgRg no Ag 1.253.872-DF, Quinta Turma, DJe 26/4/2010; e AgRg no REsp 373.323-DF, Sexta Turma, DJe de 4/8/2008.

REsp 1.280.063-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 4/6/2013.

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STJ. Sentença liminar de improcedência. Art. 285-A do CPC. Necessidade de conformidade com o entendimento do Tribunal Local e dos Tribunais Superiores

“Sentença de improcedência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC que, embora esteja em consonância com a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal de origem. 2. O art. 285-A do CPC constitui importante técnica de aceleração do processo. 3. É necessário, para que o objetivo visado pelo legislador seja alcançado, que o entendimento do Juiz de 1º grau esteja em consonância com o entendimento do Tribunal local e dos Tribunais Superiores (dupla conforme)”.

Íntegra do v. acórdão:

Acórdão: Recurso Especial n. 1.225.227 – MS.
Relator: Min. Nancy Andrighi.
Data da decisão: 28.05.2013.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.227 – MS (2010⁄0223447-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BV FINANCEIRA S⁄A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO : KALBIO DOS SANTOS E OUTRO(S)
RECORRIDO : LUIZ FELIPE DA CRUZ
ADVOGADO : MARIA APARECIDA GONÇALVES PIMENTEL E OUTRO(S)

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. SENTENÇA LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA. ART. 285-A DO CPC. NECESSIDADE DE CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL LOCAL E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. 1. Sentença de improcedência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC que, embora esteja em consonância com a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal de origem. 2. O art. 285-A do CPC constitui importante técnica de aceleração do processo. 3. É necessário, para que o objetivo visado pelo legislador seja alcançado, que o entendimento do Juiz de 1º grau esteja em consonância com o entendimento do Tribunal local e dos Tribunais Superiores (dupla conforme). 4. Negado provimento ao recurso especial.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 28 de maio de 2013(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.227 – MS (2010⁄0223447-0)
RECORRENTE : BV FINANCEIRA S⁄A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO : KALBIO DOS SANTOS E OUTRO(S)
RECORRIDO : LUIZ FELIPE DA CRUZ
ADVOGADO : MARIA APARECIDA GONÇALVES PIMENTEL E OUTRO(S)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto pela BV FINANCEIRA S⁄A, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TJ⁄MS.
Ação: revisional de contrato bancário, ajuizada por LUIZ FELIPE DA CRUZ, em face da recorrente, na qual pleiteia a declaração de nulidade de cláusulas contratuais, quais sejam, as que preveem a cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, capitalização mensal de juros, bem como comissão de permanência.
Sentença: julgou improcedente o pedido, com fulcro no art. 285-A do CPC. A sentença fundamentou-se no fato de que a improcedência segue o entendimento adotado nos tribunais superiores.
Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, para anular a sentença e determinar o regular processamento da ação, nos termos da seguinte ementa:
EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – REVISIONAL DE CONTRATO – APLICAÇÃO DO ART. 285-a DO CPC – IMPOSSIBILIDADE – ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICA – SENTENÇA QUE DIVERGE DE JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL AO QUAL O MAGISTRADO ESTÁ VINCULADO – RECURSO PROVIDO.
A aplicação do art. 285-A do Código de Processo Civil está condicionada à certeza de que a questão já se encontra pacificada, tanto no primeiro quanto no segundo grau de jurisdição, devendo ainda a questão versar sobre matéria unicamente de direito. (e-STJ fls. 102)
Recurso especial: a recorrente alega a violação do art. 285-A do CPC, bem como dissídio jurisprudencial. Argumenta que, para que seja proferida a sentença de improcedência prevista no art. 285-A do CPC não é necessário que o entendimento do Juiz de 1º grau esteja em conformidade com o entendimento do Tribunal de 2º grau.
Admissibilidade: após a apresentação de contrarrazões (e-STJ fls. 127⁄135), o recurso foi admitido na origem.
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.227 – MS (2010⁄0223447-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BV FINANCEIRA S⁄A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO : KALBIO DOS SANTOS E OUTRO(S)
RECORRIDO : LUIZ FELIPE DA CRUZ
ADVOGADO : MARIA APARECIDA GONÇALVES PIMENTEL E OUTRO(S)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
Cinge-se a controvérsia a analisar se é possível a aplicação do art. 285-A do CPC, quando o entendimento exposto na sentença, apesar de estar em consonância com a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal de origem.

I – Dos limites de aplicação do art. 285-A do CPC.
O art. 285-A do CPC constitui importante técnica de aceleração, na medida em que prevê a rejeição do pedido como o primeiro ato do Juiz no processo.
A norma em comento, inserida com vistas garantir uma prestação jurisdicional mais célere e econômica, permite o julgamento liminar de improcedência, dispensada a citação do réu, “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos”.
O ponto central da controvérsia, na hipótese, consiste em analisar o alcance que deve ser dado à expressão “em juízo”.
A mens legis do art. 285-A do CPC está fundada na ideia de que a improcedência liminar somente é autorizada quando a tese jurídica trazida para julgamento estiver tão amadurecida que a sua discussão, naquele processo, seria dispensável.

A interpretação teleológica do art. 285-A do CPC deve ser feita em conjunto com outros dispositivos do CPC que também se inserem no contexto das técnicas de aceleração da tutela jurisdicional e se apoiam fortemente nos precedentes jurisprudenciais. Nesse sentido estão as disposições dos arts. 120, parágrafo único, 518, § 1º, 527, I, e 557, caput e § 1º-A, do CPC.

A sentença liminar de improcedência que, a par de estar em consonância com a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal local, acaba por fomentar o entendimento da parte vencida e certamente será objeto de apelação, que, por sua vez, será provida. Assim, compromete-se a celeridade e a economia processual, que se pretendia alcançar.
Por conseguinte, conquanto não seja o Juiz obrigado a proferir sentença de improcedência apenas porque há entendimento consolidado do Tribunal local ou dos Tribunais Superiores a respeito da matéria, não há racionalidade em admitir que ele possa rejeitá-la liminarmente em contrariedade com o entendimento de algum destes tribunais.

Corroborando essa posição, leciona Cássio Scarpinella Bueno que:
(…) soa estranho admitir a rejeição liminar de uma petição inicial em virtude da existência de “sentenças” naqueles casos em que, de antemão, consegue-se saber, em virtude de decisões em sentido oposto nos Tribunais recursais competentes, que a sentença não tem condições de subsistência, justamente em função do segmento recursal, expressamente admitido pelo § 1º do próprio art. 285-A do CPC. (A nova etapa da reforma do código de processo civil, vol. 2: comentários sistemáticos às Leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006 e 11.280, de 16-2-2006, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 60.)

Nesse sentido, note-se que, se o Juiz de 1º grau julga improcedente o pedido e o seu Tribunal correspondente julga de forma diversa, mesmo que o Tribunal Superior siga a mesma linha de entendimento adotada pelo Juiz, este não deverá utilizar a técnica de aceleração do processo, posto que, seguramente o seu Tribunal mudará o entendimento e abrirá as portas para a morosidade desnecessária do processo.

É dever do Juiz trabalhar com o máximo de cuidado na utilização dos modernos mecanismos de aceleração, sob pena de se alcançar efeito contrário ao pretendido pelo legislador.
Ressalte-se que o entendimento aqui exposto já está consolidado em outras Turmas deste Tribunal. Nesse sentido: REsp 1.109.398⁄MS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 01.08.2011 e REsp 1.279.570⁄MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 17.11.2011, assim ementados, respectivamente:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE. ART. 285-A DO CPC. ENTENDIMENTO DO JUÍZO SENTENCIANTE. DISSIDÊNCIA RELATIVA ÀS INSTÂNCIAS SUPERIORES. APLICAÇÃO DA NOVA TÉCNICA. DESCABIMENTO. EXEGESE TELEOLÓGICA.
1. A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo junto ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
2. Recurso especial não provido.

PROCESSUAL CIVIL. ART. 285-A DO CPC. APLICABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA CONTRÁRIA À ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Deve ser afastada a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil quando o entendimento do juízo de Primeira Instância estiver em desconformidade com orientação pacífica de Tribunal Superior ou do Tribunal local a que se encontra vinculado.
2. Precedente: REsp 1109398⁄MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1.8.2011.
3. Recurso especial não provido.
Na hipótese dos autos, a ação foi ajuizada em março de 2009 e, com objetivo de garantir maior celeridade, o que se verificou foi um alongamento de mais de quatro anos no curso do processo.
Conclui-se, portanto, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do art. 285-A do CPC, que mais importante do que a quantidade de sentenças de improcedência em casos idênticos é a conformidade delas com a jurisprudência sumulada ou dominante do respectivo Tribunal local e dos Tribunais Superiores.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0223447-0
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.225.227 ⁄ MS
Números Origem: 1090136226 20090137074 20090137074000000 20090137074000100
PAUTA: 28⁄05⁄2013 JULGADO: 28⁄05⁄2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : BV FINANCEIRA S⁄A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO : KALBIO DOS SANTOS E OUTRO(S)
RECORRIDO : LUIZ FELIPE DA CRUZ
ADVOGADO : MARIA APARECIDA GONÇALVES PIMENTEL E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR – Contratos de Consumo – Bancários

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Gestão Hospitalar e Acesso aos Dados de Pacientes por Terceiros

Gustavo Pamplona
Mestre em Direito
Especialista em Políticas
Públicas e Gestão Governamental

Uma questão reincidente na gestão hospitalar são os inúmeros pedidos de acesso a prontuários médicos por tercerios. O objetivo deste artigo é abordar a problemática para assegurar uma decisão administrativa legítima e que respeite a intimidade do paciente.

Primeiramente deve-se conceituar o que é o prontuário médico. O grupo de trabalhosobrearquivosmédicos do CONARQ (ConselhoNacional de Arquivos) assim define prontuário médico:

“O prontuário do paciente é o documentoúnico constituído de umconjunto de informações registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situaçõessobre a saúde do paciente e a assistência prestada a ele, de caráterlegal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicaçãoentremembros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.”

Ainda segundo o CONARQ:

“O prontuáriomédico, emqualquermeio de armazenamento, é propriedadefísica da instituiçãoonde o paciente é assistido, seja uma unidade de saúdeouumconsultório, a quem cabe o dever de guarda do documento. Ao paciente pertencem os dadosali contidos, quesó podem ser divulgados com a sua autorização, oudeverlegal”.

Portanto, o prontuário médico é documento do paciente sob os cuidados do nosocômio, assim como as fichas médicas que o compõe.

Importante lembrar que os prontuários médicos englobam, não apenas o registro da anamnese do paciente, fichas de atendimento do paciente, entretanto todo acervo documental padronizado, ordenado e conciso, referente ao registro dos cuidados médicos prestados ao paciente. Neste sentido, constituem um verdadeiro dossiê que tanto serve para análise da evolução da doença como para fins estatísticos que alimentam a memória do serviço e como defesa do profissional caso ele venha a ser responsabilizado por algum resultado atípico ou indesejado.

O prontuário médico se presta fundamentalmente a algumas funções tais como demonstrar a qualidade do atendimento despendido ao paciente, esclarecer informações médicas e o processo de decisão clínica, a formulação de estatísticas clínicas e administrativas, além de possibilitar a edição de relatórios gerenciais com o desenvolvimento de uma política de planejamento estratégico que permitem o gerenciamento de aspectos ético-legais.

A preservação dos dados contidos no prontuário médico justifica-se ante a necessidade de respeito ao direito constitucional à privacidade, à intimidade da pessoa, assegurado no inciso X do art. 5O da Carta Federal, sob cuja proteção encontra-se contido no prontuário médico do paciente, bem como em razão do dever de sigilo profissional do médico.

O fornecimento de prontuário médico sem o consentimento do paciente só poderá ocorrer nas hipóteses de “justa causa” (circunstâncias que afastam a ilicitude do ato) e “dever legal”.

Revelar a intimidade do paciente, na espécie, sua saúde, sem a justa causa ou dever legal, pode vir a causar dano ao paciente, e, além de antiético é crime, capitulado no artigo 154 do Código Penal Brasileiro.

A justa causa abrange toda a situação que possa ser utilizada como justificativa para a prática de um ato excepcional, fundamentado em razões legítimas e de interesse coletivo, ou seja, uma razão superior relevante, a um estado de necessidade.

É preciso, pois, passar à análise pormenorizada do real significado das expressões “justa causa”, “dever legal” e “autorização expressa do paciente”, contidas no art. 102 do Código de Ética Médica.

O ponto principal é a preservação da privacidade, pois só o consentimento do paciente, em princípio, autoriza a revelação do conteúdo. Cumpre indagar, assim, se a requisição da autoridade se constitui em justa causa ou dever legal, para efeitos de excluir a vedação do Código de Ética Médica.

A esse propósito convém, desde logo, esclarecer a natureza do Código de Ética Médica. Embora ele seja uma resolução do Conselho Federal de Medicina, não se trata de mero ato administrativo que vincularia, unicamente do ponto de vista administrativo, os médicos para a possível aplicação de sanções. O Código de Ética Médica tem natureza de lei, porque tem previsão expressa na Lei nº 3.268/57 (art. 30).

Nesse sentido, aliás, têm sido proferidas as decisões dos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do habeas corpus nº 39.308-SP, já acentuou a condição de “lei” do Código de Ética Médica. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do aresto proferido no Resp nº 157.527/RJ, assentou que o Código de Ética Médica tem o status de lei federal, porque decorrente da Lei nº 3.268/57, e se pode ser invocado como norma violada é porque assim o é, já que só podem ser invocadas perante aquela Corte tratados ou leis federais (art. 105, III, alínea a, Constituição Federal/88).

Conforme já mencionado, a requisição judicial, ou mesmo policial não se constitui por si só em “justa causa”, conforme estabeleceu o Egrégio Supremo Tribunal Federal no habeas corpus retromencionado, cuja ementa se transcreve: “Segredo profissional. Constitui constrangimento ilegal a exigência de revelação de sigilo e participação de anotação constante das clínicas e hospitais. Habeas corpus concedido”.

A mesma excelsa Corte, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 91.218-SP, estabeleceu que a apresentação do prontuário e anotações só tem cabimento quando consentida pelo paciente, ou quando não for em detrimento deste, e ainda com a ressalva de que tais documentos devem ser apenas postos à disposição para perícia médica, sob sigilo pericial.

Também é do Supremo Tribunal Federal o seguinte aresto, assim ementado: “É constrangimento ilegal exigir-se de clínica ou hospital a revelação de suas anotações sigilosas” (RTJ 101/176) – “Apud Celso Delmanto – Código Penal Comentado” (5).

Atento a essas situações, o Conselho Federal de Medicina editou a resolução nº 1.605/2000, determinando qual deve ser o comportamento ético do médico frente a tais tipos de requisição.

A resolução repete a determinação do Código de Ética Médica, que veda ao médico revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica sem o consentimento do paciente.

Denota-se, ante o exposto, ser pacífico o entendimento de que as informações requisitadas pelo magistrado ou autoridade policial somente deverão ser atendidas quando não violarem o segredo médico. Caso contrário, o médico, o funcionário ou o dirigente hospitalar acusará o recebimento, mas declinará de fornecer, alegando impedimento legal e ético.

A jurisprudência por seu turno também corrobora com tal entendimento: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – PRONTUÁRIOS – SIGILO MÉDICO – ÉTICA MÉDICA – CASO ESPECÍFICO – REQUISIÇÃO JUDICIAL – IMPOSSIBILIDADE.

De acordo com o Código de Ética Médica (Lei n. 3.268/57) e a Instrução n. 153/85, da Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais, a entrega de documentos contendo dados de interesse médico às instituições públicas ou privadas, sem a devida e expressa autorização do paciente, de seu responsável legal ou sucessor, viola a ética médica.

“A sua requisição judicial deverá ser determinada apenas quando houver interesse público que recomende sua requisição para instrução de processos judiciais, entretanto, deverão ser adotadas providências no sentido de se resguardar o sigilo profissional da classe médica.” (TJMG, Agravo de Instrumento nº 2.0000.00.511572-8/000, 16ª. C.Cív., rel. Domingos Coelho, j. 14.9.2005)

Do voto condutor, destaca-se: ““SIGILO MÉDICO. ÉTICA MÉDICA. PRONTUÁRIO. CLÍNICA. SEGURADORA. Viola a ética médica a entrega de prontuário de paciente internado à companhia seguradora responsável pelo reembolso das despesas. Recurso conhecido e provido.” (Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, dec. unân., julg. em 14/4/1998, pub. no DJU  de 29/6/1998 e na RSTJ, v. 112, p. 224).

Por ser relevante à questão examinada, vale transcrever partes do voto do eminente Ministro Relator, na parte em que tratou da questão relativa ao sigilo do profissional médico:

“Consta do voto do Min. Décio Miranda:

‘Os preceitos contidos no aludido Código são normas jurídicas especiais, porquanto submetem determinada classe profissional e conferem aos Conselhos atribuições voltadas ao asseguramento da eficácia das normas deontológicas. Portanto, os médicos registrados nos Conselhos Regionais são obrigados à observância e cumprimento das normas contidas no Código de Ética Médica, sob pena de sanção.

Esta conduta, conforme os padrões do Código de Ética Médica, é devida, também, por aqueles médicos que estão submetidos às relações de trabalho, fundadas, inclusive, na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Este entendimento deflui, naturalmente, da exegese e aplicação da lex specialis.

Constam desse Código as seguintes disposições:

‘Art. 102 – Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.

Parágrafo único – Permanece essa proibição:

a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido.

b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.’

[…]

‘Art. 108 – Facilitar o manuseio e conhecimento de prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não-obrigadas ao mesmo compromisso.’

Para a proteção do sigilo profissional, o ordenamento jurídico brasileiro ainda contempla normas esparsas, como a do art. 144, do Código Civil: ‘Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo’, e a do art. 154 do Código Penal: ‘Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.’

O Conselho Federal de Medicina, inúmeras vezes chamado a se pronunciar sobre o tema, consignou:

‘Resta-nos reafirmar que o prontuário do paciente, contendo dados de interesse médico, não é instrumento de cobrança de serviços e sim repositório de sua vida médica, pertencendo a ele, paciente, e à instituição que tem a sua posse no sentido físico e é responsável pela sua guarda’… ‘Outra coisa, porém, é a instituição prestadora de serviços médicos ser obrigada a enviar os prontuários aos seus contratantes públicos ou privados.  As razões elencadas pelo consulente são mais do que suficientes para julgarmos impróprio tal procedimento’ (Processo 4.842-93, f. 88).

E concluiu:

‘Conclusão. Os princípios e fundamentos doutrinários do segredo médico, capitulados na legislação vigente e consagrados em farta jurisprudência permite-nos concluir: 1.º o segredo médico é espécie de segredo profissional, indispensável à vida em sociedade – e por isso protegido por lei – e cuja revelação, seja pelas informações orais ou através de papeletas, boletins, folhas de observação, fichas relatórios e demais anotações clínicas está vedada não somente aos médicos como também a todos os funcionários e dirigentes institucionais.’ (Proc. 429/93).

A doutrina referenda e se ampara nesses precedentes:

‘Por fim, entende-se também que a instituição prestadora de serviços não está obrigada a enviar, mesmo por empréstimo, os prontuários aos seus contratantes públicos ou privados (Parecer-Consulta CFM n. 02/94). Mais recentemente, através do Parecer-Consulta n. 05/96 ficou patente, mais uma vez, que ‘o diretor clínico não pode liberar cópia de prontuários de paciente para Conselhos de Saúde, porém tem o dever de apurar quaisquer fatos comunicados, dando-lhes conhecimento de suas providências, sob pena de responsabilidade ética ou mesmo criminal’. Nem mesmo à Justiça, conforme definiu o Supremo Tribunal Federal em acórdão do Recurso Extraordinário Criminal n. 91.218-5-SP, 2.ª Turma, negando direito de requisição da ficha clínica e admitindo apenas ao perito o direito de consultá-la, mesmo assim, obrigando-o ao sigilo pericial, como forma de manter o segredo profissional)’ (Genival Veloso de França, Comentários ao Código de Ética Médica, 1997, p. 93).”(Revista citada, p. 228/231).”

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que o fornecimento de prontuário médico sem o consentimento do paciente só poderá ocorrer nas hipóteses de “justa causa” (circunstâncias que afastam a ilicitude do ato) e “dever legal”.

Regra geral não há dever legal de apresentar qualquer documento do paciente, principalmente, o prontuário médico. Pelo contrário, há a obrigatoriedade do hospital guardar o prontuário inclusive sob o máximo sigilo.

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Seminário internacional no STJ discute Constituição e novas tecnologias

Na próxima quinta-feira (21), será aberto no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o X Seminário Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos, que este ano terá o tema “A Constituição Federal – 25 Anos: Novos códigos, impactos e desafios de novas tecnologias”. O encontro vai até sábado (23). As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até a véspera da abertura, quarta-feira, no site do evento ou na página do Interlegis.

O seminário contará com a presença do presidente e do vice-presidente do STJ, Felix Fischer e Gilson Dipp, e dos ministros João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Villas Bôas Cueva, Sérgio Kukina e Moura Ribeiro.

Também participam os doutores Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); Rui de Figueiredo Marcos, da Universidade de Coimbra; José Julio Fernández Rodríguez, da Universidade de Santiago de Compostela; Alessandro Pace, da Universidade de Roma “La Sapienza”; Filipo Vari, da Universidade Europeia de Roma; e Maristela Basso, da Universidade de São Paulo (USP), entre outros.

A coordenação-geral do evento é de Carlos Fernando Mathias de Souza, professor titular da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e membro do Conselho Universitário da Universidade Católica de Brasília (UCB).

Podem participar estudantes, servidores públicos, professores, profissionais do direito e outros interessados. Para conferir a programação completa, clique aqui.

Mais informações podem ser obtidas pelos telefones (61) 3303-5201 e 3303-5202.

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Arquivado em Direito Administrativo

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. PENA

10) É consabido que há imperfeições (formal e material) no § 1º do art. 180 do CP quanto ao crime de receptação qualificada, pois o fato menos grave é apenado mais severamente. Inclusive, é da tradição brasileira e estrangeira uma menor punibilidade para a receptação em relação ao crime tido por originário. Porém, devido à atual redação do § 1º, determinada pela Lei n. 9.426/1996, o dolo eventual (que também determina o reconhecimento da prática de receptação culposa) transformou a punibilidade de menor (menos grave) em maior (mais grave). Fala-se na inconstitucionalidade do referido § 1º, mas melhor aqui seria desconsiderar esse preceito secundário. Com esse entendimento, adotado pela maioria, a Turma concedeu a ordem a fim de substituir a reclusão de três a oitos anos prevista no § 1º pela de um a quatro anos do caput do art. 180 do CP, e fixou a pena, definitivamente, em um ano e dois meses de reclusão, ao seguir as diretrizes originalmente adotadas pela sentença, considerada aí a reincidência e a multa lá fixada. Note-se que o início de cumprimento da pena privativa de liberdade dar-se-á no regime aberto. HC 101.531-MG, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 22/4/2008.

Fonte: Informativo STJ nº 353
Jurisprudência em Revista Ano I – n° 28

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Arquivado em Penal

GAE. TÉCNICOS ADMINISTRATIVOS

11) Mostra-se inviável, em razão do disposto na Lei n. 11.091/2005, restabelecer aos técnicos administrativos das instituições federais de ensino a gratificação de atividade executiva (GAE), instituída pela Lei Delegada n. 13/1992, visto que, quando da edição da nova lei, não mais percebiam essa gratificação devido à reestruturação de suas carreiras ditada pela Lei n. 10.302/2001, que lhes unificou os vencimentos. Anote-se que se assegurou a irredutibilidade de vencimentos, pois eventuais diferenças passaram a ser recebidas como vantagem pessoal. Atendeu-se, sim, ao reprisado pela jurisprudência do STF e do STJ, no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico. Outrossim, a GAE restou preservada a outros servidores (art. 6º da Lei n. 10.302/2001), mas extinguiu-se quanto aos referidos técnicos, o que inviabiliza, também, a represtinação dos ditames da retrocitada lei delegada diante do disposto no art. 2º, § 3º, da LICC: não há expressa menção na Lei 11.091/2005 quanto à repristinação, única hipótese possível para que essa fosse admitida. Precedente citado do STF: RE 22.462-5-SP, DJ 16/4/1953. REsp 991.897-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/4/2008.

Fonte: Informativo STJ nº 353
Jurisprudência em Revista Ano I – n° 28

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Arquivado em Administrativo

CARGO PÚBLICO. EXERCÍCIO. PRORROGAÇÃO

12) No caso, não há que se aventar existir direito líquido e certo a que o recorrido entre em exercício no cargo público, apesar da sua alegação de existência de força maior, consistente na quebra de seu tornozelo direito, a impedi-lo de comparecer diante da Administração. Ele somente se apresentou após o decurso do prazo legal de trinta dias previsto no estatuto referente aos servidores públicos estaduais e não diligenciou requerer previamente a prorrogação desse prazo, sujeita ao deferimento da autoridade competente, conforme a mesma legislação. Anote-se que pleiteou a prorrogação por trinta dias do prazo para a posse e, após se apresentar para o exercício com cinco dias de atraso, só diligenciou a reconsideração da decisão administrativa que negou a entrada em exercício após quarenta dias de exarada, tudo a denotar seu desinteresse em assumir as funções do cargo. RMS 13.037-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/4/2008.

Fonte: Informativo STJ nº 353
Jurisprudência em Revista Ano I – n° 28

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