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Suspensa análise de recurso sobre competência do STF para julgar ação civil pública por improbidade

O julgamento de um agravo regimental na Petição (PET) 3067, de relatoria do ministro Roberto Barroso, foi suspenso nesta quinta-feira (12) por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. No processo, Rui Lage pedia que ação civil pública por improbidade contra ele e outros acusados tramitasse no Supremo Tribunal Federal (STF) em razão do envolvimento de parlamentares federais. O ministro Barroso manteve o entendimento do relator original do processo, ministro Ayres Britto (aposentado), e negou provimento ao agravo por considerar que, no julgamento de ação civil pública por improbidade, não existe foro por prerrogativa de função.

A ação civil pública por improbidade tramita atualmente na Justiça estadual em Minas Gerais. Entre os interessados no processo, estão o deputado federal Eduardo Azeredo, o senador Clésio Andrade, Eduardo Ferreira Guedes Neto, José Cláudio Pinto de Resende, Cristiano Paz, Marcos Valério Fernandes, Ramon Hollerbach, SMP&B Comunicação Ltda., Solimões Publicidade Ltda. e Holding Brasil S.A.

Fonte: Supremo Tribunal Federal

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Arquivado em Improbidade Administrativa

Crime Político: por um novo conceito harmônico com o Estado Democrático de Direito

Gustavo Pamplona

Mestre em Direito Público – PUCMINAS

Especialista em Direito Processual – UNAMA

Bacharel em Direito – UFMG

Analisar o conceito de crime político proposto pela doutrina majoritária e desenvolver uma proposta hermenêutica adequada aos moldes do Estado Democrático de Direito, a partir do pensamento da cientista política e filósofa Hannah Arendt, é o objetivo deste trabalho. Trata-se, portanto, de um processo de construção de uma nova interpretação jurídica que se inicia no princípio da não-contradição, segue pela ontologia funcional e se dirige à efetivação das garantias dos Direitos Humanos Fundamentais. Não obstante, no curso, firmam-se objeções à doutrina tradicional e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para alcançar este escopo, primeiramente, disserta-se sobre os conceitos majoritários de crime político para, em seguida, analisar a densidade deste modelo perante o Estado Democrático de Direito e, por fim, propor a releitura do conceito de “crime” político a partir do pensamento arendtiano e coerente com o Estado Democrático de Direito.

Inicia-se a análise por meio da doutrina de Heleno Cláudio Fragoso, autor em Terrorismo e Criminalidade Política. Para este autor, o crime político é o que atinge “os interesses políticos da nação, ou seja, a segurança externa e a segurança interna, que, por vezes, se mesclam e se confundem, e a ordem econômica e social do Estado.” (FRAGOSO, 1981, p. 125). Além de definir que esses alvos são os típicos do crime político, pontua que “[…] não se pode jamais descuidar do critério subjetivo, pois, em realidade, é este aspecto o que com mais rigor define o crime político como tal”. (FRAGOSO, 1981, p. 36). Ele conclui que o conceito de crime político requer a revalorização dos princípios filosóficos do Iluminismo, notadamente, da “legitimidade de resistência à tirania […].” (FRAGOSO, 1981, p. 37).

Insta expor algumas observações sobre o conceito de crime político de Fragoso. Inicialmente, o texto é silente sobre, por exemplo, a qual conceito de tirania se refere. Tratar-se de tyrannus absque titulo ou tyrannus ab exercitio? O livro não aprofunda neste aspecto permitindo, portanto, a conclusão de que o termo tirania foi utilizado no latissimo sensu accepti. Noutro extremo, Hannah Arendt sintetiza a tirania como sendo a “[…] única forma de governo que brota diretamente do quero […].” (ARENDT, 2007, p. 211). Voltar-se-á a este ponto adiante.

O entendimento de Fragoso é compreensível em face do contexto em que foi escrito: a ditadura militar brasileira. Entretanto, em que pese à postura crítica de sua doutrina, esta é marcada por profundo mote relativista.

Heleno Fragoso inicia sua tese restringindo os interesses políticos da nação à amálgama formada pela segurança externa e a interna conjugada com a ordem econômica e social do Estado. Destarte, além da ausência de um corte categórico, constata-se que o crime político de Fragoso é conceitualmente polimorfo, o que o torna vulnerável à intelecção político-subjetivista[1], cuja fundamentação baseia-se numa das muitas leituras possíveis do contexto histórico em que o delito se insere.

Depreende-se, portanto, que a subjetividade e o talante do intérprete do direito são os pontos de apoio da teoria fragosiana. É evidente que permitir essa máxima discricionariedade pode resultar em arbitrariedades. Afinal, o exegeta, na análise de um caso concreto, pode basear sua fundamentação no seu entendimento subjetivista face ao momento histórico no qual o crime foi cometido. Noutros termos, não se observa na proposta de Fragoso a existência de limites ao aplicador do Direito em emitir juízo firmado a partir da sua visão jurídico-política subjetivista, ou seja, no seu querer, na sua vontade. Assim sendo, Fragoso, ao tentar justificar a conduta daquele que luta contra a “tirania”, acaba por dar azo a uma estrutura doutrinal que, em potência, transforma o intérprete do direito num tirânico.

Considerando que Heleno Fragoso destaca a importância do critério subjetivo, traz-se à baila a doutrina de Giulio Ubertis, autor de Crimes político, terrorismo, extradição passiva[2]. Segundo Ubertis, o crime político é “[…] o delito comum cometido, no todo ou em parte, por motivos políticos.” (UBERTIS, 2008, p. 4, tradução nossa)[3]. A questão, decerto, consiste em compreender qual seria a concepção de “motivo político”.

O autor italiano entende que a aferição da dimensão política não se dá pelos elementos íntimos e subjetivos do agente. Mas, pela análise externa, vale dizer, para se configurar o motivo político, deve-se levantar a vida pregressa do agente com o objetivo de contextualizar a sua militância política. Portanto, o crime político para Ubertis é o delito comum executado por motivos políticos, sendo estes privativos do militante político. A contribuição “ubertiana” ao debate é essa: o motivo político não é um psicologismo; pelo contrário, é constatado pela história de militância política do agente.

Entretanto, cumpre expor algumas observações. Ora, como constatar, a partir de Ubertis, se: 1) o agente cometeu um crime pela causa; ou se: 2) praticou um delito e tem uma causa? O questionamento é pertinente, pois como é possível demonstrar o nexo causal entre a motivação política e o crime? Poder-se-ia sugerir que é em razão do alvo atacado. Essa resposta, no entanto, é insuficiente, pois não é raro os criminosos políticos também ferirem terceiros ou bens estranhos àqueles e não os diretamente relacionados à luta política. Trata-se do crime comum conexo ao político.

Depreende-se que, o critério, militância política, que pretendia ser um crivo objetivo, acaba por se revelar insuficiente, logo, exigindo, para atender completamente a configuração do crime por motivo político, agregar a intenção do agente, o elemento subjetivo, vale dizer, justamente aquilo que Ubertis pretendia afastar.

Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho, autores de Delito Político e Terrorismo: uma aproximação conceitual, informam que dada a ausência de uma definição legal para crime político, cumpre expor as três teorias referentes ao crime político: a objetiva, a subjetiva e a mista.

As teorias objetivas conceituam o crime político pelo bem jurídico protegido pela norma penal. Seriam, portanto, políticos os delitos contra a existência do Estado e, por via de conseqüência, suas instituições jurídicas.

Por outro lado, para a teoria subjetiva “o decisivo é o fim perseguido pelo autor, qualquer que seja a natureza do bem jurídico efetivamente atingido.” (PRADO e CARVALHO, 2000, p. 426). Em síntese, caso a conduta delitiva comum seja “[…] impulsionada por motivos políticos, tem-se como perfeitamente caracterizado o delito político.” (PRADO e CARVALHO, 2000, p. 426).

O entendimento de Regis Prado e Mendes de Carvalho, concluindo a discussão sobre as teorias do delito político, aponta para a propriedade da teoria mista que, em sua análise, também incluiria os crimes eleitorais[4]. Assim sintetizam: “[…] o crime político é todo ato lesivo à ordem política, social ou jurídica, interna ou externa do Estado […] ou aos direitos políticos dos cidadãos […].”(PRADO e CARVALHO, 2000, p. 429). Igualmente, “[…] é de extrema importância o aspecto subjetivo, ou seja, o propósito do autor na prática da infração.” (PRADO e CARVALHO, 2000, p. 430).

Carlos Canêdo Silva, autor de Crimes Políticos, representa o principal passo de constitucionalização da interpretação do crime político. “Deve ela ser aprofundada em estreita consonância com os valores de um Estado Democrático de Direito, baliza indispensável ao estudo desse tipo de crime.” (SILVA, 1993, p. 66). Adverte para a insuficiência teórica das doutrinas objetivista, subjetivista e mista. “[…] Uma conceituação comprometida com os postulados de um Estado Democrático de Direito não deve se reduzir à simples consideração dessas teorias.” (SILVA, 1993, p. 11). Afasta a racionalidade de tais teses, afinal: “se as doutrinas objetivas e subjetivas pecam pela unilateralidade, a mista, se enfocada como simples combinação das outras duas, terminará por somar os defeitos de ambas, quando isoladamente consideradas.” (SILVA, 1993, p. 66, grifo nosso).

A doutrina de Canêdo possui uma estrutura argumentativa assemelhada ao pensamento arendtiano. Hannah Arendt, em Crises da República, critica as análises a partir de teorias formuladas a partir de três “opções” – A, B, C – “onde A e C representam os extremos opostos e B a ‘solução’ mediana ‘lógica’ do problema […].” (ARENDT, 2006, p. 21). Referente a estes modelos reducionistas e deterministas, adverte que “a falta de tal raciocínio começa em querer reduzir as escolhas a dilemas mutuamente exclusivos; a realidade nunca se apresenta como algo tão simples como premissas para conclusões lógicas.” (ARENDT, 2006, p. 21).

Para Carlos Canêdo, o crime político à luz do Estado Democrático de Direito deve ser assim compreendido:

Essas considerações nos encorajam a postular a abolição de normas penais protetoras do Estado contra delitos cometidos de forma pacífica e não violenta, pois não cabe ao Estado democrático reprimir condutas que se manifestam dentro de cânones constitucionais previamente consignados. (SILVA, 1993, p. 70).

De fato, a presente proposta parte das conclusões de Canêdo. Todavia, com se verá ao final, em sentido contrário apresenta uma nova proposta de releitura do conceito de crime político previsto na Constituição.

Em síntese, apesar de algumas variações, os autores concluem que o crime político é o delito perpetrado por motivo político ou contra a segurança do Estado, entretanto, esta definição não responde ao desafio imposto pelo artigo 5º, inciso LII, da Constituição do Brasil. Dentre os direitos e garantias fundamentais, dispõe a Constituição que não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político. Mas, qual seria, portanto, a justificativa para não se extraditar um criminoso político? O que teria este “crime político” de diferente do “crime comum[5]” para que seu agente seja digno de tutela?

Com efeito, afirma-se tutela, pois vedada a possibilidade de extradição estará frustrada a persecução penal ou a execução da pena imposta ao agente. Ora, segundo a doutrina tradicional, notadamente a subjetiva ou mista, o que difere o crime político do delito comum é o fato daquele possuir um “motivo” político. Portanto, caso se aplique a doutrina tradicional do crime político sobre o problema do artigo 5º, LII, da Constituição, conclui-se que bastaria constatar a existência de um fundo motivacional político ou, ainda, ataque à segurança interna ou externa para que a conseqüência jurídica sobre o agente transmutasse de punição para proteção. Noutras palavras, para a doutrina majoritária, caso um estrangeiro atente contra a segurança do Estado, ou roube um banco, ou cometa homicídio, ou um seqüestro, entre outros delitos, mas fique confirmado que o fez por uma causa política, logo, o resultado jurídico seria a vedação da extradição. O motivo político teria o dom de “tocar” o crime e o transmutar em legítimo, logo, seu agente digno de proteção do Estado Democrático de Direito.

A jurisprudência do STF segue este entendimento como se pode constatar na Extradição de nº 700, que está publicada em três idiomas (inglês, francês e espanhol) no site[6] do Supremo, como exemplo de sua jurisprudência, para toda a comunidade internacional:

Extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo de estado do Governo requerente (República Federal da Alemanha), utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear. Crime político puro, cujo conceito compreende não só o cometido contra a segurança interna, como o praticado contra a segurança externa do Estado, a caracterizarem, ambas as hipóteses, a excludente de concessão de extradição, prevista no artigo 77, VII, e §§ 1º a 3º, da Lei n. 6.815/80 e no artigo 5º, LII, da Constituição.” (Ext 700, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 4-3-98, DJ de 5-11-99) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006, p. 31, grifo nosso).

A Extradição nº 700/STF é um dos exemplos do resultado jurídico da doutrina tradicional. Caso o delito executado alhures por um estrangeiro possua cunho político ou atente contra a segurança do Estado, não se dará a extradição.

Data venia, após a leitura da extradição transcrita, não se pode coadunar com a decisão proferida pelo STF. Baseado nas teorias, objetiva ou a subjetiva e a mista, o acórdão produziu uma conclusão incongruente e quiçá, num contexto de combate ao terrorismo, até mesmo perigosa. A proposta da teoria tradicional do crime político, segundo constatado na jurisprudência do STF, representa uma tese que direciona ao absurdo e, portanto, não pode mais prosperar como modelo de análise. Schopenhauer afirmou que “a ‘condução ao absurdo’, reductio ad absurdum (apogoge eis to adínaton, apogogh eis to adunaton), consiste em provar a absurdidade de uma tese mostrando que ela leva a pelo menos uma conseqüência notoriamente absurda.” (SCHOPENHAUER, 1997, p. 147). A tese da doutrina tradicional – “crime” político no artigo 5º, LII, da Constituição, limita-se a um delito por motivação política ou contra a segurança do Estado – não deve prosperar, pois, negligencia o princípio de hermenêutica, segundo o qual interpretatio illa sumenda est quae absurdum vitetur[7].

A objeção mais importante ainda não é a de constatar o reductio ad absurdum; contudo, demonstrar que a tese tradicional, “delito por motivo político”, é incompatível com o Estado Democrático de Direito tanto com base no princípio da não-contradição de Aristóteles quanto em face ao pensamento de Hannah Arendt.

A compreensão da Ciência do Direito requer, obrigatoriamente, que sua exegese esteja baseada em fundamentos que respeitem as regras da argumentação lógica. Eugênio Pacelli leciona que: “não há regra de interpretação possível que não recorra às exigências da lógica e da não-contradição.” (OLIVEIRA, 2007, p. 63). Trata-se do princípio da não-contradição prescrito por Aristóteles. “A não pode ser simultaneamente A e B debaixo das mesmas condições e ao mesmo tempo.” (ARENDT, 2008, p. 204)[8].

Arendt (1987a) compreendia que o princípio da não-contradição também deve estar presente no interior do sistema discursivo como condição sine qua non para a sua subsistência[9]. Aplicando o princípio da não-contradição ao texto constitucional, tem-se que um conjunto normativo e a interpretação deste, necessariamente, devem possuir coerência interna entre os seus dispositivos ou entre as conclusões obtidas. Diante do exposto, deve-se realizar o exercício lógico e de coerência entre dois dispositivos da Constituição: a) Democrática e de Direito (artigo 1º) em face de b) “crime” político na Constituição (artigo 5º, LII).

Em primeiro lugar, a Constituição do Brasil postula que o Estado constitui-se “de Direito”. Significa, no mínimo, que a Constituição tem por princípio a “conformidade ao Direito”. Noutro extremo, o delito é uma conduta ilícita por definição. Diante disso, como pode a Constituição que é “de Direito” ter um dispositivo de proteção – vedação à extradição – ao agente “contrário ao direito”? Como pode o Estado de Direito considerar legítimo – porque legal não o é por definição – um ato contra a ordem jurídica (de Direito)? “De direito” e “crime” são conceitos antagônicos e não podem ser harmonizados no mesmo texto e contexto constitucional sob pena de conclusões auto-contraditórias. Considerando que o sistema constitucional não pode ter incoerências, a única via é concluir que é a interpretação majoritária é que possui um equívoco interno e não se harmoniza com a Constituição.

Poder-se-ia alegar que a dimensão “motivacional política” legitimaria o ato antijurídico (crime). Contudo, trata-se de um sofisma e não prevalece diante do segundo elemento do Estado brasileiro: a Democracia.

Estabelece a Constituição que o Estado brasileiro é Democrático. Numa rápida perspectiva arendtiana, significa dizer que a política democrática se faz mediante o uso da palavra, do debate, da mobilização da sociedade, da articulação sindical, greves, enfim, da persuasão advinda da “polis”. Arendtianamente, a esfera pública guarda a reminiscência do espírito da polis no sentido de “que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através de força ou violência.” (ARENDT, 1987, p. 35). Neste sentido, as “armas” da Democracia e dos agentes que a defende seriam o embate almejando o consenso. A legitimidade é oriunda do acordo pactuado aferido após a argumentação pública e, logo, não é advinda dos “motivos” isolados do agente.

No cenário democrático, a violência, consequentemente, não é elemento da vida política. Trata-se, pelo contrário, da perversão das regras do jogo político. Para Arendt (1985), a violência é instrumentalidade do vigor, portanto, não possuindo per si uma dimensão política e, logo, não participando desta. Arendtianamente, “dependendo do espaço público, a violência pode inclusive se tornar um topos, um lugar-comum para aferição da realidade; mas tal espaço não será político.” (ADEODATO, 1989, p. 194, grifo nosso). “O poder político e a violência seriam antitéticos: a violência é capaz de destruir o poder político, mas não de gerá-lo.” (CARDOSO JR., 2005, p. 103). Arendt renega a possibilidade de uso da violência com propósitos nobres, portanto, no sentido contrário à tese dos criminosos políticos revolucionários e de seus “motivos”. “Somente a pura violência é muda, e por este motivo a violência, por si só, jamais pode ter grandeza.” (ARENDT, 1987, p. 35). Por ser apenas instrumentalidade, a violência não guarda em si qualquer elemento ético legitimador.

Dito isso, é possível a Constituição que é democrática pactuar com um ato político-delitivo que nada mais é do que uso da violência na esfera política? É coerente com o Estado Democrático de Direito, a doutrina que advoga a possibilidade de ignorar as “armas” democráticas e eleger a via do crime para se fazer presente na seara política? Como pode prevalecer uma proposta doutrinária que entende ser possível o Estado Democrático de Direito considerar legítimo – porque legal não o é por definição – um crime contra a ordem jurídica (de Direito) e que renega a via democrática (pluralismo, debate etc.) como opção política? Após estas indagações, depreende-se que, não parece ser coerente com a dimensão “Democrática” do Estado brasileiro, admitir a hipótese do uso da violência como partícipe da construção da Democracia, sob pena de incorrer em contradição pragmática (Apel).

Em suma, arendtianamente, a esfera política não admite a participação da violência e desta não se extrai qualquer caráter legitimador. Destarte, o crime político não se forma pelo “toque” do motivo político sobre o delito. Pelo contrário, trata-se apenas do crime sendo usado como arma política. Neste sentido, depreende-se que, subjacente a doutrina majoritária, há um fundo filosófico que admite ser possível o crime invadir legitimamente a seara política. Contudo, tal embasamento filosófico é incompatível com a Democracia e, ainda, com o Estado de Direito.

Consoante demonstrado, a doutrina preponderante encontra dificuldades jus-filosóficas para vigorar perante o paradigma do Estado Democrático de Direito. Na formulação proposta por ela há uma contradição interna em face à própria Constituição. Ademais, a doutrina tradicional conduz a uma conseqüência absurda (reductio ad absurdum), oriunda de uma exegese jurídica que não observou o sistema racional e lógico baseado no princípio da não-contradição[10]. Por fim, a doutrina majoritária não encontra harmonia com os princípios da Democracia, pois advoga a possibilidade do crime ser utilizado com fim político ao invés de fomentar o uso das “armas” da Democracia: o debate, o pacto e o convencimento.

Desta feita, é incoerente afirmar que a Constituição de “direito” e “democrática” deveria impedir a persecução penal daquele que viola o direito e utiliza-se da violência contra bens jurídicos como instrumento de ação política.

Diante do exposto, considerando a necessidade de uma hermenêutica coerente com o postulado do Estado Democrático de Direito e que expurgue a violência da seara política, insta reconstruir o conceito de “crime” político, previsto no artigo 5º, LII, da Constituição, mediante uma reviravolta hermenêutica.

Conforme demonstrado, o “delito” político previsto na Constituição não pode ser um crime, no sentido penal do termo, sob pena de ilações desconexas e contraditórias com o próprio texto constitucional, que estabelece um Estado Democrático de Direito. Consequentemente, para escapar da armadilha da auto-contradição, a única possibilidade restante é interpretar o “crime” político como sendo apenas nominalmente crime, ou seja, não possui uma natureza própria de delito.

Com o objetivo de construir um conceito de “crime” político constitucionalmente adequado e harmônico com o Estado Democrático de Direito cumpre resgatar os principais pontos do pensamento de Hannah Arendt.

Para Arendt, a ação (action) é a dimensão política da vita activa em contraponto ao trabalho (labor) e a obra ou fabricação (work)[11]. Entretanto, para agir requer-se a coexistência da liberdade. A pensadora sustenta que “agir” deriva da “palavra grega árkhein, que abarca o começar, o conduzir, o governar, ou seja, as qualidades proeminentes do homem livre […].”. (ARENDT, 2007, p. 214). Nesse sentido, ser livre e a capacidade de começar algo novo coincidem. A ação (action) torna-se, portanto, a fonte do significado da vida humana.

Na expressão do seu agir, o homem inaugura um novo sentido para a existência plural. Celso Lafer concebe que o conceito de liberdade de Arendt requer para ser exercido a: “[…] recuperação e a reafirmação do mundo público, que permite a identidade individual através da palavra viva e da ação vivida, no contexto de uma comunidade política criativa e criadora.” (LAFER, 1987, p. II). Destarte, para Arendt, a conseqüência da ação em liberdade (action) seria a gênese da convivência plural. Ora, se há ação em liberdade há a possibilidade de se criar algo novo, que é a natalidade. Da natalidade origina-se a esperança[12].

Neste sentido, emerge a importância do espaço público. A ambiência pública é o plano de apresentação da vida em comum, o palco dotado de audiência ampliada, “onde os cidadãos podem agir (atores) e assistir (espectadores) em conjunto, ação caracterizada pela capacidade de se iniciar novas coisas (natalidade) e modificar o mundo.” (CARDOSO JR., 2005, p. 103). Na esfera pública, “os cidadãos são livres e iguais em termos de oportunidade de participação política (isonomia), principalmente pela igualdade à palavra (isegoria) […].” (CARDOSO JR., 2005, p. 103). Agir no domínio público não se resume a fazer, mas é inclusive conviver e discursar política numa pluralidade de homens em liberdade. Nesse âmbito, o cidadão se apresenta e age em liberdade e sua legitimidade é mantida pelo consenso e pela persuasão[13].

Ação, discurso e liberdade não são concessões, mas expressões que exigem para advir à constituição e conservação do horizonte público[14]. O campo público é o substrato para a esfera política e da liberdade. “Política e liberdade, portanto, são coincidentes, porém só se articulam quando existe mundo público.” (LAFER, 2007, p. 21).

Vedada a ação na ambiência pública, embotada está a esfera política, pois consequentemente impedido fica o homem de fazer uso do seu discurso. Ausente o discurso não há possibilidade de consenso e o homem deixa de construir o seu mundo comum de existência plural. Sem o direito de fala, cala-se e deixa de participar da vida da polis. Retraído para a esfera privada, não há mais ação, que é a conditio per quam da vida política. Ao desaparecer o agir, não haverá construção da novidade (natalidade). Os efeitos da censura da liberdade de expressão e participação na esfera pública inviabilizam o agir político, observa-se a retração dos direitos civis e o homem deixa de ser persona e torna-se anthropos. A política, portanto, é reduzida ao binômio poder-dominação, os quais, em momentos extremos, resultam em perseguição a oposições.

Conclui-se que as considerações sobre o espaço público arendtiano e a sua interação com os tópicos da vida política remetem aos pilares do Estado Democrático de Direito: cidadania e pluralismo político, que pressupõem o exercício em liberdade. A liberdade está subjacente ao contexto democrático. “É por isso que, para ela [Arendt], liberdade não é a liberdade moderna e privada da não-interferência, mas sim a liberdade pública de participação democrática.” (LAFER, 1987, p. X).

A estrutura do pensamento político de Arendt é harmônica e coerente com o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, observa-se que em todos os direitos fundamentais, prescritos no Estado de Direito Democrático, está subjacente a liberdade e a manutenção do campo público como conditio per quam se alcança a vida política. Noutros termos, “os direitos fundamentais asseguram a liberdade do Estado e a liberdade no Estado, pois a democracia tem necessidade de um cidadão político que faça uso de seus direitos.” (SOARES, 2000, p. 113).

Por se tratar de uma análise que conecta tanto a dimensão jurídica quanto a política, a questão da legitimidade aflora como desdobramento inequívoco. Portanto, é a efetivação do espaço público, como palco da cidadania, que traz a abertura para a legitimação[15] e, ainda, a manutenção do “palco” Democrático.

Há uma íntima relação entre campo público e Democracia. Destarte, qualquer atentado contra os elementos fundamentais desta ambiência representa ameaça à Democracia. No sentido inverso, manifestar resistência contra as intimidações à manifestação na esfera pública é um ato pró-democracia. É desse contexto que emerge o conceito de “crime” político, em harmonia com o Estado Democrático de Direito.

Arendt, ciente de que “[…] os períodos de existência livre foram sempre relativamente curtos na história da humanidade” (ARENDT, 2007, p. 217), reconhece as ameaças ao espaço público e, por conseqüência, também à Democracia moderna. Infere-se[16], a partir do levantamento da história política, que não raras são as manifestações (praxis) de oposição que são rechaçadas mediante o manejo estratégico da legislação penal por governos não-democráticos. Os governantes não-democráticos, no anseio de sufocar a manifestação de homens livres (persona)[17] e o Poder advindo das ruas (espaço público), utilizam a força legal, isto é, estrategicamente, criminalizam impropriamente o agir democrático ou, pelo menos, tratam como delinquente quem se dedica a esse agir. Noutras palavras, nos regimes ditatoriais há a criminalização da oposição, da diversidade política, do sindicalismo, da mobilização social, ou seja, os governos não-legítimos tentam transformar a liberdade – uma das dimensões da Democracia – em crime.

É notório que o homem cidadão (persona) ao violar a pseudo-norma que criminaliza o agir político não atua contra-direito, pelo contrário, visa expressar a liberdade da condição humana em defesa, ocupando o âmbito público, espaço da política, por excelência, e alicerce da Democracia. Este ato político (action), na perspectiva democrática e arendtiana, jamais será um delito. Com efeito, o crime político é o agir político democrático criminalizado. Partindo deste entendimento compreende-se o porquê da Constituição dispor em seu artigo 5º, LII, que não extraditará esse agente, pois não se trata de um criminoso[18] no sentido penal do termo, mas sim, de um cidadão de ousou defender o espaço público e a Democracia.

A averiguação originária do termo “crime” político, no paradigma do Estado Democrático e de Direito, realiza uma ruptura radical com a doutrina dominante, logo, requer, para melhor identificação conceitual, também uma reformulação semântica. Arendt acusa que, por vezes, depara-se com termos cujas distinções já perderam o seu sentido original. Dessa forma, não se permite mais desvelar as experiências originais nele contidas caso se mantenha a mesma semântica. Daí a necessidade de se criar uma nova terminologia. Nesse mesmo sentido, afirma Adeodato: “[…] às vezes pode ser preciso criar expressões para novas realidades, com o que nossa autora certamente concorda, ‘cada nova aparência entre os homens necessita de uma nova palavra’.” (ADEODATO, 1989, p. 110 e 111).

Com efeito, por estar o termo constitucional, “crime político”, ainda impregnado com a concepção de “crime por motivação política”, impõe-se, devido à reformulação ora proposta, uma nova forma semântica. Destarte, denomina-se o “crime” político, previsto no artigo 5º, inciso LII da Constituição Brasileira, por nocrim: agir político no espaço público, nominalmente transformado em crime, impropriamente tipificado por decisão ilegítima e estratégica de governos não-democráticos.

O nocrim não representa ameaça ao Estado ou a bens jurídicos tutelados, mas ao governo autoritário. O nocrim perfaz a insistência e a resistência pela ocupação do espaço público que é o substrato da própria Democracia. A proteção constitucional do agente do nocrim é a declaração de concordância recíproca dos Estados Democráticos de Direito, que reconhecem o valor do ato, em prol da preservação da esfera pública e da Democracia. Afinal, nocrim é um direito e, em certa perspectiva, um dever do cidadão no âmbito público. Por não ser delito, no sentido técnico do termo, a via é da negativa do pedido de extradição.

O nocrim é outra proposta de interpretação do “crime” político em harmonia com o paradigma do Estado Democrático de Direito. Sua demonstração conceitual representa a cristalização da coerência interna do dispositivo, “crime político”, em conformidade com o sistema normativo constitucional em que se insere, que somente foi possível a partir da reviravolta hermenêutica impulsionada pelo pensamento da cientista política e filósofa Hannah Arendt.

Ad argumentandum tantum, termo “crime” do artigo 5º não pode ser entendido no sentido próprio penal, dada a sua localização tópica. O “delito” político está no rol dos direitos individuais e coletivos da Constituição Democrática e de Direito, segundo se constata no artigo 5º, LII. Sem delongas, seria um contra-senso incrustar um verdadeiro crime dentre o rol de direitos fundamentais da Constituição. Assim, a própria localização do dispositivo sobre o “crime” político já indica que não se utiliza o termo em seu sentido próprio. Enfim, há um caráter performático no termo “crime”, que extrapola a semântica. O verbete “delito” não pode ser interpretado somente em seus limites gramaticais, entretanto, o seu significado requer uma interpretação em harmonia com o texto constitucional.

*   *   *

Em resposta a possível crítica de que o “crime” político da Constituição foi regulamentado pela Lei nº 7.170/83, a qual define os delitos contra a segurança nacional, a ordem política e social, informa-se que se trata de um caso de homonímia sutil.

Com efeito, “crime” político, previsto na Constituição, é tomado, pela doutrina e jurisprudência, como sendo idêntico ao instituto jurídico do delito político da Lei de Segurança Nacional. Tal constatação é feita a partir, dentre outras fontes primárias, dos dizeres do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Mário da Silva Velloso, para quem “a Constituição não definiu o crime político. O seu conceito há de resultar, portanto, da legislação comum.” (VELLOSO, 2003, p. 130). Noutros termos, inexistindo uma conceituação na própria Constituição para crime político do artigo 5º, LII, para o ex-ministro, deve-se, supostamente, obter a definição para esse delito político na legislação ordinária. Nesse diapasão, invoca a citada Lei n.º 7.170/83 para conferir definição ao “crime” político:

Certo é que, tendo em vista o direito positivo brasileiro, a Lei nº 7.170, de 1993, acentuei, em voto que proferi quando o julgamento do HC 73.451-RJ, que, para que o crime seja considerado político, é necessário, além da motivação e dos objetivos políticos do agente, que tenha havido lesão real ou potencial aos bens jurídicos indicados no artigo 1º da referida Lei nº 7.170, de 1993, ex vi do estabelecido no seu artigo 2º. (VELLOSO, 2003, p. 131).

Depreende-se que, para a maioria da jurisprudência e da doutrina brasileira, o “crime” político previsto no artigo 5º da Constituição se refere propriamente ao mesmo instituto delitivo da lei de segurança nacional, Lei nº 7.170/93.

Ora, conforme já foi analisado, o “delito” político na Constituição não pode ser um crime, no sentido penal do termo, sob pena de ilações desconexas e contraditórias com o próprio texto constitucional.

A confusão, entre “crime” político constitucional e delito político na forma abordada pela doutrina tradicional, é oriunda do fato dos autores se equivocarem e não observarem que se trata de dois institutos jurídicos que, por necessidade lógico-jurídica, são diferentes; contudo, designados pela mesma expressão semântica.

Noutros termos, para se evitar a ocorrência do reductio ad absurdum, o “crime” político na Constituição, obrigatoriamente, deve possuir natureza jurídica distinta do crime político previsto na Lei nº 7.170/93. São conceitos jurídicos diferentes, mas grafados pelo mesmo termo semântico. Trata-se de um caso de homonímia sutil. Schopenhauer traz a distinção: “synonyma são duas palavra que designam o mesmo conceito, Homonyma são dois conceitos designados pela mesma palavra.” (SCHOPENHAUER, 1997, p. 128).

A corrente tradicional provavelmente se confundiu com a homonímia, cuja conseqüência foi “tornar a afirmação apresentada extensiva também para àquilo que, fora a identidade de nome, pouco ou nada tem em comum com a coisa de que se trata […].” (Schopenhauer, 1997, p. 128). Destarte, a falta da quebra do sentido homonímico propiciou a “[…] imprecisão na delimitação do tópico em discussão [que] pode levar a uma metabasis eis allo genos, metábasis eis allo genos, uma mudança de um gênero de objeto para outro […].” (Schopenhauer, 1997, p. 132).

Em suma, a partir da identidade semântica do termo da Constituição (“crime” político) com a palavra de igual ortografia na Lei nº 7.170/83 (crime político), os doutrinadores e a jurisprudência do STF compreendem que se trata de idêntico tipo jurídico. Daí que, realiza-se a subsunção (equivocada) entre o dispositivo constitucional com o conceito de termo com idêntica grafia previsto em lei ordinária.

Citação desse artigo, segundo normas da ABNT:

PAMPLONA, Gustavo. Crime Político: por uma nova proposta hermenêutica harmônica com o Estado Democrático de Direito. Jurisprudência em Revista, Belo Horizonte/MG, a. II, nº 40. Disponível em: <http://wp.me/p9jOi-l1&gt; Acesso em: (dia), (mês), (ano).

REFERÊNCIAS:

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ARENDT, Hannah. Crises da República. Tradução José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2006.

ARENDT, Hannah. Da violência. Título original: On Violence. Tradução Maria Cláudia Drummond. Publicação da Editora, 1985.

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CARDOSO JR., Nerione Nunes. Hannah Arendt e o declínio da esfera pública. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições técnicas, 2005.

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ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4ª edição revista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

NOTAS DE FIM:


[1] O termo “subjetivista” é um neologismo que foi cunhado para transmitir a ideia de um estágio deteriorado, quiçá, perverso da subjetividade. Trata-se da percepção numa dimensão personalista, artificiosa e solércia.

[2] Reato Político, Terrorismo, Estradizione Passiva.

[3] “[…] è delitto politico ogni delitto, che offende un interesse politico dello Stato, ovvero un diritto politico del cittadino’, sembrando cosí accogliere la c.d. concezione oggettiva del delitto politico. Il medesimo comma, però, prosegue con l’affermazione che ‘è altresí considerato delitto politici il delitto comune determinato, in tutto o in parte, da motivi politici’” (UBERTIS, 1987, p. 259).

[4] Em sentido contrário, relata Eugênio Pacelli, o entendimento do STF: “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de definir a locução constitucional ‘crimes comuns’ como expressão abrangente de todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais […].” (OLIVEIRA, 2007, p. 74).

[5] “[…] conduta típica (antinormativa) que não está permitida por qualquer causa de justificação (preceito permissivo), em parte alguma da ordem jurídica […].” (ZAFFARONI, 2000, p. 568)

[6] . Cumpre aos Ministros do STF reverem a oportunidade e conveniência da mantença desse voto, no site do STF, como exemplo da jurisprudência brasileira para a comunidade internacional.

[7] Não pode prevalecer a interpretação que atribui à lei algum absurdo.

[8] Na leitura de Álvaro Ricardo Souza Cruz: “[…] o princípio da não contradição, pelo qual não seria possível negar e afirmar dois predicados contrários do mesmo sujeito, no mesmo tempo e na mesma relação.” (CRUZ, 2007, p. 106).

[9] A filósofa percebe que a máxima aristotélica se refere, fundamentalmente, a congruência interna entre as diferentes proposições. “[…] Aristóteles, na sua primeiríssima formulação do famoso axioma da contradição, diz explicitamente que isto é axiomático: ‘temos necessariamente que acreditá-lo porque […] não se dirige ao mundo exterior […] mas ao discurso interior da alma […].’” (ARENDT, 2008, p. 204). Arendt (2008) vai além e afirma que nos primeiros tratados de Aristóteles, o axioma da não-contradição ainda não tinha sido estabelecido como a regra mais basilar para o raciocínio lógico em geral. Apenas com Kant, esse aforismo adquire a dimensão de “‘pensar sempre consistentemente em acordo contigo mesmo’ (‘Federzeit mit sich selbst einstimmig denken’) entre as máximas que devem ser olhadas como ‘mandamentos imutáveis para a classe dos pensadores.’” (ARENDT, 2008, p. 205).

[10] “Quem diz que ‘o princípio da não-contradição não vale’, por exemplo, se quiser que essa assertiva tenha sentido, deve excluir a assertiva a esse contraditório, isto é, deve aplicar o princípio da não-contradição exatamente no momento em que o nega. E assim são todas as verdades últimas: para negá-las, somos obrigados a fazer uso delas e, portanto, a reafirmá-las.” (REALE, 1990, p. 217-218).

[11] Nessa obra adota-se a tradução do terno arendtiano work como sendo “obra” ou “fabricação”, no mesmo expediente de João Adeodato e Theresa Calvet de Magalhães (1985) em detrimento da tradução de Roberto Raposo.

[12] “O signo da esperança é que vê na ação, que a natalidade enseja, a permanente e igualitária capacidade de começar algo novo.” (LAFER, 1987, p. IX).

[13] “[…] O convencimento mútuo, a persuasão, é o meio por excelência da ação política, gerador de um poder dialógico e plural, decorrente da reunião dos cidadãos.” (CARDOSO JR., 2005, p. 103).

[14] “Hannah Arendt mostra como ação, palavra e liberdade não são coisas dadas, mas requerem, para surgirem, a construção e a manutenção do espaço público.” (LAFER, 1987, p. XII).

[15] “Este sistema de direitos fundamentais, dotado de princípios norteadores e assecuratórios, propicia a concretização da cidadania plena e coletiva, consubstanciando a legitimidade do Estado democrático de direito.” (SOARES, 2000, p. 118).

[16] Antes de avançar no texto, cabe informar que, a partir deste ponto, o conceito de “crime” político ora proposto não foi desenvolvido por Arendt, todavia, ousa-se afirmar que está coerente com o seu pensamento.

[17] O conceito de Persona para Arendt inclui a liberdade de criação e compartilhamento da realidade comum e de expressão que se dá no espaço público. Para maior aprofundamento remeto o leitor ao livro Responsabilidade e Julgamento de Hannah Arendt.

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Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância – INFO 515/STF Primeira Turma

A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290).

Buscava-se o restabelecimento da decisão absolutória proferida em primeira instância, na qual aplicados os princípios da insignificância e da proporcionalidade. Considerou-se que, no caso, o fato não seria penalmente irrelevante e que a existência de precedentes do STF no sentido pretendido pelo paciente, inclusive admitindo a incidência do postulado da insignificância e aplicação da Lei 11.343/2006 à justiça militar, não seria bastante a demonstrar como legítima a sua pretensão. Asseverou-se que, na espécie, o paciente, preso em flagrante em estabelecimento castrense, informara que sabia estar cometendo um ilícito penal e que levaria o entorpecente para um colega de farda que lhe pedira para comprar a substância. Tendo isso em conta, refutou-se o alegado constrangimento ilegal, haja vista que a droga apreendida, além de ter sido encomendada por outra pessoa, seria suficiente para o consumo de duas pessoas, o que configuraria, minimamente, a periculosidade social da ação do paciente.
HC 94649/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.8.2008. (HC-94649)

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Uso de Algemas e Excepcionalidade – INFO Nº 514 e 515/STF

O uso de algemas tem caráter excepcional. Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu habeas corpus — impetrado em favor de condenado à pena de 13 anos e 6 meses de reclusão pela prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, II, III e IV, do CP, e no art. 10, da Lei 9.437/97 — para tornar insubsistente a decisão do Tribunal do Júri, e determinar que outro julgamento seja realizado, com a manutenção do acusado sem as algemas. Na espécie, o paciente permanecera algemado durante toda a sessão do Júri, tendo sido indeferido o pedido da defesa para que as algemas fossem retiradas, ao fundamento de inexistência de constrangimento ilegal, sobretudo porque tal circunstância se faria necessária ao bom andamento dos trabalhos, uma vez que a segurança, naquele momento, estaria sendo realizada por apenas 2 policiais civis, e, ainda, porque o réu permanecera algemado em todas as audiências ocorridas antes da pronúncia.
HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)

Uso de Algemas e Excepcionalidade – 2
Entendeu-se que o uso das algemas, no caso, estaria em confronto com a ordem jurídico-constitucional, tendo em conta que não havia, no caso, uma justificativa socialmente aceitável para submeter o acusado à humilhação de permanecer durante horas algemado, quando do julgamento no Tribunal do Júri, não tendo sido, ademais, apontado um único dado concreto, relativo ao perfil do acusado, que estivesse a exigir, em prol da segurança, a permanência com algemas. Além disso, afirmou-se que a deficiência na estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido e que, inexistente o aparato de segurança necessário, impunha-se o adiamento da sessão. Salientou-se, inicialmente, que o julgamento perante o Tribunal do Júri não requer a custódia preventiva do acusado (CF, art. 5º, LVII), não sendo necessária sequer sua presença (CPP, art. 474, alterado pela Lei 11.689/2008). Considerou-se, também, o princípio da não-culpabilidade, asseverando-se que a pessoa acusada da prática de crime doloso contra a vida merece o tratamento devido aos humanos, aos que vivem em um Estado Democrático de Direito. Ressaltou-se que o art. 1º da CF tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e que da leitura do rol das garantias constitucionais previstas no art. 5º (incisos XIX, LXI, XLIX, LXI, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, XLVIII), depreende-se a preocupação em se resguardar a figura do preso, repousando tais preceitos no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na imprescindibilidade de lhe ser preservada a dignidade. Aduziu-se que manter o acusado algemado em audiência, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, implicaria colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior. Acrescentou-se que, em razão de o julgamento no Júri ser procedido por pessoas leigas que tiram ilações diversas do contexto observado, a permanência do réu algemado indicaria, à primeira vista, que se estaria a tratar de criminoso de alta periculosidade, o que acarretaria desequilíbrio no julgamento, por estarem os jurados influenciados.
HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)

Uso de Algemas e Excepcionalidade – 3
Registrou-se que a proibição do uso de algemas e do uso da força já era previsto nos tempos do Império (Decreto de 23.5.1821 e Código de Processo Criminal do Império de 29.11.1832, art. 180) e que houve manutenção dessas normas no ordenamento jurídico brasileiro subseqüente (Lei 261/1841; Lei 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto 4.824/1871; Código de Processo Penal de 1941, artigos 284 e 292; Lei de Execução Penal – LEP 7.210/84, art. 159; Código de Processo Penal Militar, artigos 234, § 1º e 242). Citou-se, ademais, o que disposto no item 3 das regras da Organização das Nações Unidas – ONU para tratamento de prisioneiros, no sentido de que o emprego de algemas jamais poderá se dar como medida de punição. Concluiu-se que isso estaria a revelar que o uso desse instrumento é excepcional e somente pode ocorrer nos casos em que realmente se mostre indispensável para impedir ou evitar a fuga do preso ou quando se cuidar comprovadamente de perigoso prisioneiro. Mencionou-se que a Lei 11.689/2008 tornou estreme de dúvidas a excepcionalidade do uso de algemas (“Art. 474… § 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”), e que caberia ao Supremo emitir entendimento sobre a matéria, a fim de inibir uma série de abusos notados na atual quadra, bem como tornar clara, inclusive, a concretude da Lei 4.898/65, reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal. Deliberou-se, por fim, no sentido de se editar uma súmula a respeito do tema. Precedentes citados: HC 71195/SP (DJU de 4.8.95); HC 89429/RO (DJU de 2.2.2007).
HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)

O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 11 nestes termos: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. A edição do verbete ocorreu após o julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática de crime doloso contra a vida que permanecera algemado durante toda a sessão do Júri — v. Informativo 514. O Tribunal reconheceu, também, que esta e as demais Súmulas Vinculantes passam a ser dotadas das características das Súmulas impeditivas de recursos.
HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.8.2008. (HC-91952)

Uso de Algemas e Excepcionalidade – 4
O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 11 nestes termos: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. A edição do verbete ocorreu após o julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática de crime doloso contra a vida que permanecera algemado durante toda a sessão do Júri — v. Informativo 514. O Tribunal reconheceu, também, que esta e as demais Súmulas Vinculantes passam a ser dotadas das características das Súmulas impeditivas de recursos.
HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.8.2008. (HC-91952)

(negritos pela Revista)

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